Foto de Alvaro Garcia, Jornal "El Pais"

Tristan und Isolde no Opera de Paris

“Nur eine Stunde, nur eine Stunde...” (apenas mais uma hora, apenas mais uma hora...) , uso essa frase de Isolde para expressar o que eu gostaria deste concerto do dia 13/11/2008 com a divina Waltraud Meier no papel de Isolde! Que experiência incrível!

Alias concerto que contou com um seleto grupo de cantores onde destaco também Clifton Forbis, no papel de Tristan; Franz Josef Selig, como Rei Marke; Alexander Marco-Buhrmester, como Kurvenal e Ekaterina Gubanova, como Brangäne.

A própria concepção da montagem e movimentação em cena parece deixar Isolde “livre” no palco, pronta a viver seus limites. A força, não só de caráter mas de espírito que tem Isolde naturalmente, só vejo e sinto claramente quando é Waltraud Meier que a “vive” em cena.

Digo “viver” pois não acredito (ao menos não consigo perceber) que Waltraud interprete algum personagem, principalmente quando falamos de Isolde e Kundry especificamente.

É dificil explicar o que seria esse “viver o personagem”,é claro que nada tem a ver com sua vida particular; simplesmente é como que, ao entrar em cena, ela se entregasse totalmente ao personagem, ao arquétipo do personagem, que vai dar a beleza de nuances, de sensações, onde ela simplesmente coloca-se da maneira mais humilde e sincera, como uma servidora desse arquétipo, tendo aí o mérito de mergulhar nos mais profundos mistérios desse personagem e ai sim; nao vivê-lo, mas proporcionar-lhe a vida, trazendo o fruto dessa experiência, esse mar de sensações e emoções para o deleite do publico.

Assim como “ao beber” dessa fonte arquetípica, se podemos assim chamá-la, ela tem também a virtude de captar a energia do momento de cada apresentação, que vai desde captar as idéias do diretor, do responsavel pelo cenario, do publico, enfin, todos os elementos que formam uma apresentação, o que a faz uma pessoa única, que sempre proporciona um impacto único e diferente ao público.

Bom, é ousado de minha parte querer colocar em palavras um processo tão especial, até mesmo sagrado, como esse, mas enfin, vale a pena filosofar a respeito do que é o “entrar em contato com a obra de arte”.

E neste concerto, a sua forma de narrar o momento que Tristan à olha nos olhos, afirmando a união entre suas almas, sua determinação para morrer junto com Tristan , sua invocação da noite libertadora, até o sagrado momento da morte de amor é uma experiência que talvez poucas cantoras consigam transmitir como Waltraud!

Quanto a montagem de Peter Sellars é fácil explicar: palco vazio, tudo preto e escuro, com um pequeno palco quadrado no meio que mudava de posição em cada ato. Figurino dos cantores: preto e tons cinzas. E além de “tudo” isso um telão enorme. Sim, um video foi exibido durante toda a peça, trazendo imagens do mar, de um casal, do fogo, da agua, da natureza, contextualizando-se (na medida do possível) com a música. Esse video é do Bill Viola. O video traz idéias interessantes, apesar de algumas imagens muito “concretas”, porém para se fazer um filme, e não uma montagem no teatro! O telão gigantesco impedia consideravelmente o contato do publico com os artistas, muitas vezes mal dava para vê-los (digo isso pois estava assistindo da quinta fileira central da platéia!). Porém temos cantores no palco! Temos Waltraud Meier e um grande elenco para colocá-los à cantar no escuro, com um telão ao fundo?!!! Sinceramente não entendo! Talvez o problema seja comigo, mas enfin, vou ao teatro pra ouvir e VER os cantores! Por favor diretores, respeitem isso!

Mas como disse, graças a esses cantores, mesmo no escuro, tivemos uma experiência incrível!


Parsifal x Kundry: uma relação que leva do "puro, tolo" ao Iniciado

É interessante observar algumas semelhanças e, em alguns casos, os antagonismos, que apontam uma forte relação entre Parsifal, o Salvador, aquele que trilha o caminho espiritual, e Kundry, a tentadora, que justamente parece desviar Parsifal de seu caminho. Vejamos alguns itens:

1° ) Desde o começo da peça , a primeira vez que Kundry entra em cena , podemos perceber uma forte variação orquestral, uma “tensão” musical, como que representando um incômodo aos cavaleiros de Mont Salvat, como mostra o video abaixo.



Tensão que ocorre também quando Parsifal entra em cena, após matar o cisne.




2°) Em todas as religiões, o espírito vivificante tem sido simbolicamente representado por uma ave. No cisne temos uma representação para o neófito que, trilhando um caminho espiritual, busca auto conhecimento e auto controle, e que, quando torna-se um Iniciado, encontra-se imune ao efeito dos 4 elementos basicos: ar, agua, terra e fogo. O cisne pode “atravessar” pelos quatro elementos, ele pode tanto voar (ar), como nadar (agua), como caminhar sobre a terra (terra) e por ter uma unica parceira em sua existência (representando um dominio das paixoes), simboliza também o dominio sobre o fogo.

Parsifal matou o cisne. Porém a sequência da cena nos mostra que Parsifal precisa passar pela prova de auto controle e tornar-se um Iniciado, pois nos revela uma série de indícios fazendo alusão aos 4 elementos:

Quando Kundry diz a Parsifal que sua mãe esta morta, ele tenta machucá-la, jogando-a no chão (chão em francês, “parterre”), indicando o elemento terra. Quando Gurnemaz o afasta ele se sente sufocado, sentindo falta de ar: elemento ar. Kundry, mesmo tendo sido atacada por Parsifal, piedosamente vai buscar água para ajudá-lo: elemento água. Faltando o elemento fogo: a paixão que Parsifal sentirá por Kundry no segundo ato.

3°) Ainda analisando o fato de Parsifal ter matado o cisne, um terrivel crime nas terras de Mont Salvat, que foi justamente Kundry que nos disse um pouco antes, quando é tratada como um animal:

Sind die Tiere hier nicht helig?
Os animais não são sagrados aqui?


4°) Mesmo Gurnemaz compara Parsifal a Kundry, quando questiona Parsifal sobre suas origens e ele não sabe responder. Gurnemaz diz:

So dumm wie den
Alguém de estupidez proporcional à dele,
erfand bisher ich Kundry nur!
até hoje só achei Kundry!

E esta relação entre Parsifal e Kundry, que vai aos seus limites no segundo ato, vai até o fim, onde Kundry, após ter conduzido Parsifal ao caminho do conhecimento em todos os níveis, morre. E Parsifal vive. Morte e Vida que representam a magia que impera no milagre da eternidade.

Idéais vindas da natureza

Nada como a natureza para inspirar algumas montagens wagnerianas...

Ja imagino essa arvore como a "Yggdrasil" no meio da casa de Hunding e Sieglinde!
Construindo a "casa" em volta e colocando a espada Nothung enfincada , pronto, ja temos o cenario para o primeiro ato de "Die Walküre"!



Que tal a "gruta" que forma essa arvore para o cenario do segundo ato de "Tristan und Isolde"?

Consigo até para imaginar as folhas caindo na medida que avança a noite, representando uma mudança, seja de estação (do outono para o inverno), seja de turno do dia para noite, seja da paixão para o amor, seja da vida para a morte...






E que tal esse modelo de lança para Wotan?

Onde os acordos e tratados são talhados de tal forma que chegam à emitir luz?










Inspirações...



O Misticismo que une Tristan e Isolde

Quando Tristan finalmente vai ao encontro de Isolde antes de descer na Cornualha, temos um leitmotiv que se repete 4 vezes.
(Clique aqui para ver este trecho da opera. Começa a partir dos 5 minutos do video)

Quatro que significa também o magnífico quaternário mágico do CALAR-SE, SABER, PODER e OUSAR, que é um método prático para aqueles que querem trilhar um caminho espiritual de auto conhecimento; e que deixa clara a união mística que buscam os nossos amantes.

Esclarecendo estes quatro principios, entendemos que CALAR-SE vai obrigatoriamente preceder o SABER, o PODER e o OUSAR, pois significa acalmar e silenciar o automatismo do intelecto e da imaginação, para atingir a devida concentração que traz conscinência para aquilo que se fala.

Dessa concentração, temos o saber que colhe os conhecimentos, as experiências, para transformar em sabedoria.
Este saber, fruto da reflexão pura, que fixando-se na memória, passa pelo processo de assimilação pelos pensamentos e sentimentos, para tornar-se uma mensagem, um simbolo comunicável.

Atingindo então o PODER enquanto querer, o poder que escolhe, que decide aquilo que quer buscar, onde e como buscar, pois pode fazê-lo, domina a situação.
Para "poder" finalmente OUSAR, onde ele ousa para elevar-se na verticalidade, além da criatura, até a essência do ser, o fogo criador divino.

Isolde vai nos dizer que ela também aprendeu a CALAR-SE quando escondeu e curou Tristan, até finalmente Tristan entender também o chamado da "Rainha do silencio" quando ele diz, no primeiro ato:
"Des Schweigens Herrin
A senhora do Silencio
heisst mich schweigen:
manda-me calar
fass' ich, was sie verschwieg,
se comprendo do que ela silencia
verschweig ich, was sie nicht fasst.
silencio sobre o que ela não compreende."

Isolde sabe o que quer, mais do que a reconciliação ela quer a quebra do convencionalismo. Todos os tipos de experiências e sentimentos que ela viveu em relação à Tristan trouxe a ela a revelação de que não se há espaço para o verdadeiro Amor dentro de estruturas impostas pela sociedade, que ela esclarecerá à Tristan mostrando à ele como ambos estão vivendo nesse mundo de aparência.

No filtro temos uma representação do PODER, filtro de morte, que Isolde o chama como filtro de reconciliação (Sühnetrank) e Tristan o chamará como filtro do esquecimento (Vergessenstrank), porém podemos entender como o próprio filtro de amor, que vai dar forças para romper cpm as convenções. (entendendo que Amor e Morte são faces da mesma moeda).
Onde finalmente ambos podem ousar no que chamamos de verticalidade, realmente na busca da essência do ser. Enquanto corpo (Tristan) e alma (Isolde) servindo ao espírito para acumular experiências e viver as máximas potencialidades divinas que portam, acender em si a chama, o fiat criador, enquanto deuses em formação.

Isolde já afirma sua ousadia quando ela explica tudo o que se passou entre ela e Tristan, deixando claro seu desejo de vingança. Porém quando ela finaliza com a frase: "Tod uns beiden"(morte para nós dois), pode-se questionar: Se ela quer vingança, porque morrer junto com Tristan?

Encontraremos a resposta no próprio libreto:

So stürben wir, Assim nós morreremos,
um ungetrennt, para não sermos mais separados,
ewig einig eternamente unidos,
ohne End', sem fim,
ohn' Erwachen, sem acordar,
ohn' Erbangen, sem medo,
namenlos sem nome,
in Lieb' umfangen, encontrando-se no amor,
ganz uns selbst gegeben, dados inteiramente um ao outro,

der Liebe nur zu leben !

para viver somente pelo amor !


E deixemos que a musica fale por si mesma: